Escutei a Sandrinha dizendo:
- Hoje, ela não saiu mais cedo. Eu é que já estou indo. Tenho prova na primeira aula.
Sabia que era você que tinha chegado. Fui atá a recepção.
- Não vou me demorar muito, já estou finalizando o relatório sobre aquela empresa. Boa prova, Sandrinha. Tenho certeza que você terá uma boa nota.
- Tomara! Quando sair, desligue tudo, tranque tudo. Ah! E juízo vocês dois - recomendou, saindo e fechando a porta.
A Sandrinha era uma moça esforçada, que trabalhava desde os quinze anos para ajudar a família. Tinha o sonho de formar-se e tentar uma carreira pública na área jurídica. Havia ficado noiva, há poucos meses, de seu namorado de três anos, que estava no último ano da faculdade e estagiava num grande escritório. Eram apaixonados, um pelo outro e pelo Direito.
Olhei para você e perguntei se queria me acompanhar até minha sala, eu não iria demorar muito, mas não queria deixá-lo sozinho, ali, na recepção. Você pegou uma revista qualquer e acomodou-se numa poltrona:
- Não. Espero você aqui. Não se preocupe, pode ir acabar o que tem pra fazer. - Baixou o tom de voz, como se estivesse falando com os seus botões - Eu posso perder o juízo.
Fiz que não ouvi. E ri, sem deixar você perceber, enquanto voltava para minha sala. Minutos depois, tudo terminado, peguei minha bolsa, agenda, chaves:
- Podemos ir.
- Desligou tudo? Trancou tudo?
- Sim, Sandrinha II, só falta daqui, da recepção.
Aquele final de tarde prometia ser muito divertido, depois do estresse do dia anterior. Nós merecíamos um pouco de diversão. Dirigimo-nos para o elevador, que logo abriu suas portas para nós. O elevador estava vazio, a maioria das pessoas já tinha ido embora. O prédio estava semi-deserto e silencioso. Assim que entrei, senti um calafrio estranho. Olhei para você, pensando em comentar alguma coisa. Não deu tempo. As portas fecharam-se e, em segundos, a luz apagou-se completamente e o elevador parou. Não chegou a descer um andar. Me apavorei:
- Gustavo, me dê sua mão, por favor!
- Calma, Mila. O prédio tem gerador, a gente vai sair logo daqui. Não se aflija!
Meu problema não era estar presa no elevador, não era claustrofobia, era o escuro. A fobia do escuro, nictofobia. Queria falar isso pra você, mas minha respiração ia ficando cada vez mais acelerada. Tinha dificuldade para respirar. Minha bolsa, agenda, chaves já haviam caído no chão do elevador. Só faltava eu ir pr'o chão, também. Não faltava muito para isso acontecer, minhas pernas já estavam trêmulas. De repente, uma luz fraquinha, que soube depois, era uma luz auxiliar, que funcionava com o gerador, acendeu.
- Tá vendo? Logo, a gente sai daqui. Não precisava se apavorar. Procure ficar mais calma, você não está sozinha, estou aqui com você, Mila.
Tão bonitinho o jeito que falou comigo! Me senti a Bela em perigo e o seu Herói salvador. Estava encostada num lado do elevador, próximo aos botões de controle, você ainda segurava a minha mão. E estava tão perto, que sentia o calor do seu corpo e seu perfume. Minha respiração estava voltando ao normal. Levantei meu rosto e meus olhos encontraram os seus. Nesse momento, senti você me abraçar, lentamente, pela cintura, aproximando-se mais do meu rosto. Fechei os olhos, assim que seus lábios tocaram, suavemente, os meus. Deixei-me envolver pela ternura dos seus lábios, explorando os meus até nossas bocas se unirem num beijo pleno e completo... Até sermos interrompidos pelo interfone do elevador:
- Alguém ficou preso aí? Tem alguém aí?
Sorri, baixei a cabeça e a encostei no seu peito, que continuou abraçado a mim. Respondeu ao porteiro:
- Sim, Severino. Estamos aqui, aguardando. Quanto tempo vai demorar?
- Não mais que cinco minutos, Sr. Gustavo. A Dra. Camila está com o senhor? Estão bem?
- Sim, ela está e estamos bem, obrigado.
- Como ele sabia que estávamos aqui? - perguntei.
- Eu avisei que passaria no seu escritório. Não gosto de ter surpresas. Pedi que nos avisasse de qualquer coisa.
Fiquei em silêncio, aproveitando o aconchego do seu abraço por mais alguns instantes. Quando o elevador começou a funcionar, você pegou minhas coisas que tinham caído no chão, ou melhor, que eu não consegui segurar. Logo, ganhávamos a rua.
Apesar do imprevisto e, sobretudo por causa dele, que acabou por nos unir, foi um final de tarde delicioso. Fomos a uma sorveteria, esfriar uma parte da situação que passei, a da fobia. A outra parte, mais carinhosa, você não me deixou esquecer. Nem eu queria.
Quando parou o carro em frente do edifício onde moro, convidei-o a subir. Você disse que não poderia, que seus pais estavam aguardando você para o jantar. Da próxima vez, subiria, prometeu. Sorri. Você acariciou meu rosto e me deu um beijo de novela, com vontade de beijar, com paixão. Senti um frio na barriga, meu rosto queimava. O beijo no elevador tinha sido ótimo, terno e suave. Aquele era diferente, quente, com desejo e cheio de segundas intenções. Senti meu coração acelerar. Estava confusa. Afastei-me, delicadamente:
- Não deixe seus pais esperando! - falei, séria.
Você sorriu:
- Amanhã a gente se fala.
Você esperou que eu entrasse no edifício, antes de sair com o carro. Achei gentil sua preocupação comigo. E subi para casa.
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