segunda-feira, 29 de março de 2010

Fomos almoçar como combinamos, porém um telefonema da Sandrinha nos surpreendeu no meio da refeição:
- Mila, é melhor você voltar logo para o escritório.
- O que aconteceu, Sandrinha? Você está me assustando! Fala logo!
- Tem um policial aqui, ele quer falar com você. Acho que ele vai querer falar com o Gustavo, também.
- Aconteceu alguma coisa na minha casa? Com minha mãe, com a Bia, com meu pai? Fala, Sandrinha.
- Não, Mila. Fica tranquila, não aconteceu nada com sua família. Vem logo para o escritório, o policial não quer que eu fale por telefone.
- Tá, já estamos indo.
- Ela não adiantou nada o que é que está acontecendo?
- Não, mas tem um policial no escritório que quer falar com a gente. Me apavorei, agora, pensei que fosse algo com alguém da minha casa, mas a Sandrinha disse que não é isso. O que será que está pegando por lá?
- Vai saber! Pode ser alguma coisa com o Arnaldo ou o Felício, mas a gente só vai ficar sabendo se formos logo pra lá. Minha querida, hoje o dia promete!
No escritório, o policial nos contou que Dona Rita, esposa do Dr. Arnaldo, tinha ido ao banco para fazer um saque para pagar as funcionárias e fornecedores. Segundo o policial, "o meliante ganhou a fita no interior do banco e ficou na cola dela", seguiu-a de moto até a loja, no shopping, e a fez, junto com duas funcionárias, como reféns. Num descuido do assaltante, uma das funcionárias conseguiu fugir e avisar os seguranças e a polícia. O indivíduo dizia que queria mais dinheiro. O policial queria saber de nós, se o Dr. Arnaldo tinha algum desafeto, se estava trabalhando em algo que pudesse despertar alguma vingança de alguma parte insatisfeita, essas coisas. Tinha de investigar as possibilidades.
- Podemos ajudar de alguma forma? Meu pai também é advogado e amigo pessoal do Dr. Arnaldo. Se tiver algo que possamos fazer...
- O indivíduo está fazendo uma série de exigências para soltar as duas mulheres. Ele quer a mãe no local, já foram buscá-la. Pediu o advogado, também já foi providenciado. O mais complicado é que ele quer um jornalista famoso para dar uma entrevista exclusiva. Têm vários jornalistas no local, mas ele não quer nenhum dos que estão lá. Pode? Quer os cinco minutos de fama que tem direito. Ele quer que filme sua rendição para que sua integridade física seja preservada.
- Carlos Santana. Já verificaram? Ele aceitaria? - perguntei.
- Eu acho que sim. Carlos é muito famoso e está numa grande emissora.
- Você o conhece, Mila?
- Espere, faz um tempinho que não falo com ele, se o telefone dele não mudou, tá aqui...O Carlos começou a fazer Direito comigo, detestou e mudou para Jornalismo. Deu certo. Alô, Carlos? É a Camila, da faculdade, tudo bem? Não liguei pra conversar, não. Preciso de um favorzinho, se possível. Interessa pra você uma entrevista exclusiva com um indivíduo que mantém duas mulheres como reféns, sob a mira de um revólver? Uma delas é a esposa do meu chefe. Se você aceitar, sabe que existem riscos, apesar da polícia estar por perto...Vocês, jornalistas, são todos doidos... Valeu, Carlos!
Falei para o policial:
- Se puder entrar em contato com quem está negociando com o cara e informá-lo que o jornalista já está indo para lá, isso talvez o tranquilize.
- Tudo bem, vou informar através do rádio da viatura. Qualquer novidade, entraremos em contato com vocês.
- Desculpe, mas também vou. Meu pai não me perdoaria se eu deixasse o Dr. Arnaldo lá, sozinho, sem um amigo pra dar uma força e para representá-lo numa hora dessa.
- Eu também vou. Afinal, fui eu que fiz o contato com o jornalista.
A contra-gosto, o policial teve de aceitar que fôssemos para o local do sequestro. Faltava espaço para tantas viaturas e carros de imprensa. Nos aproximamos do policial que negociava com o sequestrador. Para um negociador, parecia já estar estressado:
- Esses dois, quem são? - perguntou ao policial que nos acompanhava, mas nem se importou com a resposta. Adiantei-me:
- Meu nome é Camila, sou advogada, trabalho com o Dr Arnaldo, marido de uma das vítimas. Eu falei com o jornalista Carlos Santana, que já está vindo para cá com sua equipe.
- Tá, podem ficar por aqui, mas não atrapalhem - falou com rispidez.
O Dr. Felício aproximou-se:
- Gustavo, Camila, espero que tudo acabe logo. O Arnaldo passou mal, está sendo medicado na ambulância, não quiz ir para o hospital, quer ver a Rita liberada logo.
Próximo de onde estávamos, uma senhora simples chorava muito. Era amparada por um policial. Percebi que era a mãe do sequestrador. Estava envergonhada pelo filho e por todo aquele alvoroço que ele estava provocando. Carlos chegou e foi negociado o contato dele com o rapaz. Enquanto isso, chegou um indivíduo empertigado, de nariz empinado, com ares de "sou o tal", dando ordens para o policial ríspido:
- Eu exijo falar com o meu cliente antes que se tome qualquer decisão.
- Aqui, o senhor não exige nada. Fica na sua.
Não resisti, tive de dar meu palpite:
- Se o senhor está tão preocupado com o seu cliente, onde estava quando ele fez as vítimas de reféns? E por que foi o último a chegar aqui no local? Antes do senhor falar com o seu cliente, as vítimas tem o direito de serem libertadas. E o senhor não tem o direito de exigir nada, ainda mais do policial que está aqui desde o início da ocorrência, para resgatar, ilesas, essas mulheres, que são vítimas do SEU cliente. Reitero o que o policial já lhe falou, fica na sua!
O Dr. Felício me olhava, surpreso. Você me abraçou e me puxou para o outro lado. Até o policial que negociava a rendição do indivíduo, deu uma rápida olhada e fez um sinal de aprovação. Para o advogado empertigado, só restou baixar a cabeça e ficar quieto.
A rendição do indivíduo aconteceu logo. Ele liberou as mulheres, que foram levadas para serem medicadas, pois estavam muito nervosas. O Dr. Arnaldo já estava melhor e viu o desfecho da ocorrência, com alívio. Dr. Felício iria acompanhá-lo. Carlos fez um sinal que ligaria depois. Voltamos para o escritório. Sandrinha estava aflita por notícias. Já não tinha clima para trabalho, só ficamos cumprindo o horário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário